quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Quarta feira de cinzas

T.S. Eliot

Parte I

Porque não mais espero retornar
Porque não espero
Porque não espero retornar
A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto
Não mais me empenho no .empenho de tais coisas
(Por que abriria a velha águia suas asas?)
Por que lamentaria eu, afinal,
O esvaído poder do reino trivial?

Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma
Porque sei que o tempo é sempre o tempo
E que o espaço é sempre o espaço apenas
E que o real somente o é dentro de um tempo
E apenas para o espaço que o contém
Alegro-me de serem as coisas o que são
E renuncio à face abençoada
E renuncio à voz
Porque esperar não posso mais
E assim me alegro, por ter de alguma coisa edificar
De que me possa depois rejubilar
E rogo a Deus que de nós se compadeça
E rogo a Deus porque esquecer desejo
Estas coisas que comigo por demais discuto
Por demais explico
Porque não mais espero retornar
Que estas palavras afinal respondam
Por tudo o que foi feito e que refeito não será
E que a sentença por demais não pese sobre nós
Porque estas asas de voar já se esqueceram
E no ar apenas são andrajos que se arqueiam
No ar agora cabalmente exíguo e seco
Mais exíguo e mais seco que o desejo
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.

Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte
Rogai por nós agora e na hora de nossa morte.

Tradução de Ivan Junqueira, do original:
Collected Poems 1909-1962, para a
Editora Nova Fronteira em 1981.

 

3 comentários:

  1. puts, alta literatura, que preguiça... eu tinha vindo ler um blogue!

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  2. Já que é um post religioso, retomo a prática da meditação religiosa de repetir o trecho que mais me tocou:

    "E rogo a Deus porque esquecer desejo
    Estas coisas que comigo por demais discuto
    Por demais explico"

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  3. faça disso um mantra que eu fico com o
    "Porque não mais espero retornar
    Que estas palavras afinal respondam
    Por tudo o que foi feito e que refeito não será
    E que a sentença por demais não pese sobre nós"

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