sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Brincadeiras(?) irresponsáveis do PC Siqueira

Trecho do texto: O discurso irresponsável da esquerda inteligente: Sakamoto, Ferréz e PC Siqueira. O texto é uma reflexão sobre colocações machistas e irresponsáveis feitas pelo que chamo de "esquerda inteligente" em um encontro promovido pela Carta Capital terça feira, 4/2/14.

Por fim, quando o Sakamoto estava falando dos temas que eles ainda gostariam de tratar, citou a influência negativa da mídia, a questão étnica, negra, indígena, GLBT e foi lembrado, pela Karina Buhr, de enfiar as mulheres no saco a ser discutido. Algumas das mulheres da platéia ficaram felizes e uma disse "pauta de lavar louça".  Então, nosso querido amigo PC Siqueira responde: “ah lavar louça é muito chato”. Eu, então, que já estava muito #xatiaded, o chamei de machista e ele não gostou. Disse (e até tuitou depois) que se achar lavar louça chato é ser machista, ele é.

Bom, estamos numa mesa discutindo quais as questões sócio-políticas devem ser debatidas no próximo programa. A única mulher da mesa lembra pela segunda vez que “as mulheres existem”. Uma menina ingênua irresponsável da platéia liga a pausta feminista à cozinha. E a resposta do cara engraçadinho e mal preparado da roda é: lavar louça é muito chato. Eu me sinto uma idiota explicando porque esta afirmação neste momento é machista: é machista uma afirmação que liga a luta das mulheres à cozinha. Tanto a colocação da menina, que aparentemente só queria fazer mais uma piadinha, quanto a dele, que não podia perder a chance de continuar a zuera. Infelizmente, sendo piada ou não, as colocações resumem a luta das mulheres a lavar a louça! Uma afirmação sem desdobramento, apenas para ser engraçadinha (lembremos dos nossos queridos Gentili e Rafinha Bastos, eles não têm mesmo alguma cois“inha” que lembra o PC Siqueira?) e que em vez de apoiar a fala da Karina (“Sim! A luta das mulheres nos interessa!”) vem para rir dela, deslegitimar (“ah, não vamos falar de mulheres, lavar louça é muito chato”).

Eu vou partir do pressuposto que este moço (e, principalmente a moça da platéia) não quis dizer tudo o que pode ser interpretado desta frase. Digamos, ele é um carinha leviano que faz piada machista em rede nacional (já podemos chamar assim o #projetopiloto?). O mundo está cheio deles, não é? Tão cheio, mas tãããão cheio, que a gente nem liga mais, mas TEMOS que ligar. Especialmente quando é um formador de opinião libertário quem diz isto.

O que esta frase nos diz?
A luta das mulheres é chata.
A luta das mulheres não me interessa.
Eu não gosto de lavar louça, logo, não devo lutar pela causa feminista por que aí terei de lavar louça.

Quando o PC Siqueira fez esta linda afirmação, eu, do segundo andar, gritei “machista!”. A esta altura do campeonato, algumas pessoas já estavam gritando coisas e, seguindo a indicação do Ferréz (“que venha aqui um índio tumultar e nós discutimos a causa dele”), eu achei que era mesmo uma obrigação lembrar o moço e a platéia de que ligar o movimento feminista à cozinha não é bacana responsável. A menina da platéia respondeu algo que não ouvi, mas no vídeo vi que ela ironizou dizendo "feminazi", ou pra mim, ou para ela. Enfim, eu considero a intervenção desta menina só mais uma piadinha de um oprimido que ainda não entendeu que reforçar a piada não ajuda.

No fim do encontro, ele reiterou: “eu acho lavar louça chato, sou machista por isto?” e eu gritei de lá de cima “falar de lavar louça quando estamos discutindo feminismo é machismo”. Reduzir a luta feminista à decisão de quem vai lavar a louça é uma coisa inaceitável. Ele não me respondeu na hora e ainda levou o assunto para o tuíter.

 Bom, o fato de ele ter tuitado algo também me lembra a questão do “vamos falar mal de quem fala mal da gente”. A gente se une contra quem fala mal da gente. E mais, quem fala mal da gente são SEMPRE os haters e apenas isto. E quem falou mal do PC Siqueira? Uma feminista! E por que? Por que ele “apenas” falou que não gosta de lavar louça. Nossa! Que desserviço maior ao feminismo o PC Siqueira poderia ter feito? O inimigo comum agora é a mina que fala mal do pobre moço de nobre coração que não gosta de lavar louça (imagina, então, de recolher lenha!).


Depois de tudo que rolou lá, depois de reduzir as mina do rolezinho a simples objeto dos moleque revolucionário, depois de não dar voz à Karina, depois de reduzir a luta feminista à cozinha, ele tuita que “hoje uma mina me chamou de machista porque eu disse que lavar louça é um saco(?)”. Não, querido, não foi por isto, eu te expliquei na terça mesmo que não foi por isto e posso te explicar que todos têm o direito de achar chato, mas que ninguém tem o direito de reduzir a pauta feminista a isto. Eu gostaria de lembrar, já que estamos falando de louça, que não gostar é ok, mas não fazer e deixar tudo para sempre uma mulher fazer (sua esposa, mãe e até sua empregada!) é machismo. Isto é opressor e largar o serviço que você não quer fazer para uma mulher é sim uma forma de controle e de oprimir, de dizer “você vale menos, então faça o que eu não quero fazer”. Então, caros meninos lindos de esquerda, se você é libertário, lave a sua louça. Ébacana responsável.

Depois o PC voltou a postar “se não gostar de lavar louça é ser machista e estar errado, eu nunca quero estar certo”. A tuitada para definir o inimigo comum: as feministas loucas que acham que todos estão errados sempre e por qualquer motivo. Toda a esquerda tem este mesmo inimigo interno, a feminista. Então, o cara vai no tuíter reforçar qual estereótipo: o da feminista louca (louca, neurótica, maluca, barraqueira... todos estes adjetivos lindos que são próprios das feministas e mulheres no geral, né) que rotula as pessoas de machistas por nada. Não! Não poste isto, moço, nem sequer pense isto, por favor! Você não foi rotulado à toa, mas quem sabe isto sirva de ponto de partida de uma reflexão maior e não para que você continue desligitimando o movimento feminista. Talvez a maioria da esquerda seja ainda machista, então não ajude a reforçar estereótipos mentirosos que oprimem ainda mais uma classe que já é oprimida e que luta tanto quanto você por mudanças profundas na sociedade.

O que o PC Siqueira fez, ao vivo e também no tuíter, foi deslegitimar uma causa. The zuera never ends, não é mesmo? Desligitimar uma causa é você rir dela, zuar, tratar como banal. Você faz isto muitas vezes e também muitas outras pessoas fazem, logo esta causa vira motivo de piada, vira estereótipo. Este é um mecanismo de opressão usado desde sempre. Os opressores riem do negro, das mulheres, dos pobres. E o PC Siqueira riu de quem? Da mina que chamou ele de machista. Por que ele ri? Por que rir é a forma que ele escolheu para deslegitimar a minha afirmação. Quando ele faz piada da intervenção da Karina Buhr pedindo uma pauta feminista, ele usa exatamente o mesmo mecanismo opressor: ri, faz piada e ignora o que foi dito. “Vamos discutir machismo? Ah, eu não gosto de lavar louça.”

E se fosse o Ferréz falando que o movimento negro precisa também estar em pauta? A resposta equivalente seria “Acho ir para senzala muito chato” (por que, né, galera, a cozinha é a senzala da mulher e, como mostra o nosso querido PC Siqueira e a querida da platéia é a PRIMEIRA coisa que vem à mente quando o assunto é mulher ou feminismo). Poderia ser ainda “Ah, mas eu não gosto de cabelo pixain”. E aí? E aí que o Ferréz ia achar normal? Ia achar piada? Depois da primeira intervenção da noite trazendo a causa feminista à discussão, a resposta é “eu acho lavar louça muito chato”, é uma piada? Bonita, límpida, à la Chaves, que não significa nada? Que não oprime ninguém? Que não repercute? Que não evidencia o que este querido pensa da causa feminista e quais são as primeiras relações que vem à mente?

Bom, relembrando: eu gostei de ter participado do encontro. Eu não odeio nem o Ferréz, nem o PC Siqueira e, muito menos, o Sakamoto, mas (o famoso “mas”) nem sempre os discursos destes caras são coerentes e responsáveis. Nem sempre eles são capazes de aplicar um mesmo raciocínio a diferentes questões. Todos eles (inclusive o Sakamoto, mon amour) se referem às mulheres como objeto e, sendo estes três caras formadores de opinião DE ESQUERDA (esta é a nossa esquerda mais inteligente!), isto é preocupante. Tudo bem, eles são humanos, não sabem ainda de algumas coisas e a gente não sabe de outras. Então, a gente conversa e é só isto que este texto está tentando fazer.

Eu gostaria de pensar que o PC Siqueira não é machista, ele está machista. As pessoas são, sim, capazes de refletir e mudar de opinião e atitude. Logo, o moço tem agora a sua chance de repensar o seu próprio discurso, as suas piadinhas, as colocações que ele faz única e exclusivamente para ser engraçado, mas que ofedem um grupo muito grande de pessoas e que ajudam a perpetuar ainda mais as diferenças e privilégios entre grupos. Não seria bacana responsável com todas as pessoas que se identificam com o movimento feminista, ele repensar as suas questões e causasao invés de deslegitimar a minha fala?

O discurso irresponsável da esquerda inteligente: Sakamoto, Ferréz e PC Siqueira


- Palma, palma, não priemos cânico! Você está machista, mas não necessariamente é!

Terça, dia 4/2/14, eu fui até a biblioteca Mário de Andrade ver a gravação do #programapiloto da #cartacapital. Faziam parte do encontro, um talk show virtual comandando pelo Sakamoto, além do próprio, Karina Buhr (cantora baiana), PC Siqueira (vlogueiro paulista) e Ferréz (escritor da periferia de São Paulo). Gostei de ter ido e visto a discussão toda, as perguntas das pessoas e, especialmente, da discussão final com o público. Mas, como é de bom tom, vou falar do que não gostei, não sem antes parabenizar a iniciativa dos quatro e da #cartacapital. A iniciativa e os debates são muito importantes e espero que eles gerem muita repercussão e ainda mais debate. É com este espírito que resolvi escrever este texto. Esta é uma tentativa de debate (não um desabafo e muito menos um ataque) e vou tentar passar algumas de minhas impressões de uma forma não agressiva, embora eu esteja muito irritada com algumas coisas que eu vi e ouvi. O vídeo do encontro foi ao ar hoje, aqui, mas agora não está acessível ao público.

A grande maioria das discussões foram interessantes, ainda que superficiais, não só pelo tempo, mas também porque nem sempre os convidados estavam aptos a discutir os temas propostos. Discutiu-se bastante o rolêzinho, talvez o tema central da noite, o beijo gay, a PM, as novas formas de protestos que estão surgindo, as chacinas nos presídios do Maranhão ignoradas pelo clã Sarney, etc. Coisas relevantes e que devem ser discutidas e debatidas publicamente e “no mundo real”.

No geral, a discussão foi boa, ainda que com mais apelo às piadinhas do que eu gostaria e um tempo considerável foi perdido para falar mal de quem fala mal de mim. “Coxinha, reaça, eu falei para irem dar um rolêzinho lá em casa”. Esta reiteração de falar mal dos haters pode ter várias motivações: se auto-afirmar, ser engraçado, deslegitimar quem fala de você e, também, ter (ou criar) um inimigo comum que nos une. Afinal, todos nós (platéia e debatedores) somos contra reaças (este título cujo significado é cada vez mais amplo e difícil de definir), mas alguns dos presentes ali no auditório não eram a favor de discutir, por exemplo, o beijo gay, o que mostra que a platéia ali era bastante heterogênea. A platéia era composta também por pessoas que acham o fato de ter um beijo entre um casal de homens gays no horário nobre da maior e mais controladora rede de tv do Brasil um ponto importante nas consquitas LGBT e que deve sim ser discutido (eu faço parte deste grupo).

Rolêzinho e femisnismo: #comofas

Não só a platéia era heterogênea (o que é algo muito positivo), mas também os convidados. O Ferréz defendeu que a causa negra não sirva de porta de entrada para discutir outras questões étinicas, como a indígena; o PC Siqueira faz piadas sexistas durante o programa e todo mundo acha normal; quando a Karina Buhr (que falou muito pouco) fala para os três outros debatedores pararem de se referir aos rolêzinhos como “um monte de moleque que quer pegar mina” por que no rolêzinho também tem menina (e, lembremos, os moleques não pegam as minas, as pessoas se pegam mutuamente, por que os dois querem, e é assim que o mundo deveria funcionar), ninguém a escuta e pronto. Neste último caso, todos passam incólumes à colocação da única mulher do grupo sobre a forma como aqueles três homens, de esquerda, libertários, formadores de opinião, falam sobre as mulheres e sobre o rolêzinho. Um monte de moleque que compra tênis para impressionar as mina, um monte de moleque que vai no shopping para pegar mina. Não, as mina também estão ali como parte do rolêzinho, não?

Todo mundo ali não condena os rolêzinhos, entendem como algo que, ainda que não tenha motivações políticas claras, é sim uma resposta à violência e exclusão que estes jovens sofrem do Estado e da sociedade. Que bom, né? Só que também entendem (ou pelo menos trataram assim os rolêzinhos diversas vezes), que é um grupo de moleque que vai pegar mina no shopping. Não tem menina no rolêzinho? Elas são invisíveis? Elas também não querem comprar as coisas, se divertir e pegar os moleque? Como assim o papel das mina no rolêzinho é servir de chamariz pros moleque irem para o shopping?  Os muleque, estes caras oprimidos, fodidos, vão lá no shopping dar a sua resposta revoltada à sociedade e as meninas vão lá fazer o que? Ser objeto de desejo dos muleque. Não! Em algum momento do encontro, falar que os rolêzinhos são só um bando de moleque querendo se divertir e pegar as mina se tornou um consenso bom. Eles não estão lá para fazer nada antinatural, para promover a baderna, podem relaxar, eles só estão indo pegar umas mina e namorar umas marcas. Não! Este discurso para “naturalizar” o rolêzinho não tem que passar por nenhum viés sexista e os debatedores não perceberam isto ainda. Talvez nem mesmo tenham percebido o que fizeram e, talvez, nem mesmo depois de ler o texto vão entender o quanto esta pequena atitude é, sim, machista.

E se os debatedores falassem “são jovens que vão para o shopping ficar/namorar/se pegar”? Isto não é ofensivo para ninguém. Isto não denigre ninguém, nem coloca as mina no rolêzinho como puro e simples objeto de desejo. A Karina Buhr tentou avisar os três, mas eles não escutaram. Se, talvez, fosse o Sakamoto que falasse “gente, vamos parar de falar “pegar mina” por que todo mundo se pega mutuamente?” seria lindo. As meninas da platéia iam achá-lo o cara mais feminista do mundo. Mas não, quem disse foi a cantora bonita que estava ali e ninguém se importou com o que ela disse.
Esta foi a primeira coisa que me irritou.

Eu sou mais fodido do que você: uma trilogia trágica seguida de uma comédia-resposta

I – A comunidade do anel

Na discussão final, depois da gravação, uma mulher da platéia ressaltou que muita atenção é dada ao beijo gay e que estamos perdendo o foco, que tem milhares de jovens negros morrendo na periferia e isto é mais importante. O microfone rodou por um tempo e, mais tarde, o Sakamoto respondeu dizendo que todas as lutas pelos direitos humanos são importantes e que sim, eles dariam mais atenção às questões de preconceito étnico da próxima vez, falariam da causa negra e também da indígena, dos imigrantes. Então, o Ferréz disse que não, que tínhamos que falar da causa negra, que ele estava cansado de brigar por esta causa e quererem enfiar índio no meio.

Esta é uma afirmação bem complicada. Como foi ressaltada várias vezes durante o programa, os grupos marginalizados têm dificuldade de representação, têm uma auto-estima jogada no lixo e não lutam por vários motivos, entre eles por que não se acham merecedores de melhores condições de vida ou por que não sabem como lutar. Há, então, muitas pessoas que, graças a mecanismos de opressão, não se manifestam. Não seria bacana  responsável que os grupos com capacidade de se organizar pudessem, pelo menos, alavancar outros grupos, outras discussões? Por que não reconhecer que é o mesmo mecanismo e o mesmo grupo opressor que marginaliza diferentes grupos minoritários? Para debater a questão indígena, não teríamos que seguir uma linha de raciocínio muito parecida com a que usamos para entender a questão negra? Será que os indígenas, atualmente, têm a mesma capacidade de articulação, o mesmo número de pessoas envolvidas, dos negros? Não seria bacana  responsável que a sua luta servisse de telão também para a luta do outro?

Que venha um índio aqui e cause como ela”. Disse o Ferréz ao Sakamoto sobre a moça que gritava da platéia.

Será? Será que quantos indígenas ficaram sabendo deste encontro? Teria, na platéia, pelo menos um índio? Os índios já conseguiram minimamente quebrar algumas barreiras sociais e têm acesso ao feicibuque para, ao menos, ficarem sabendo do encontro?

Parece, então, que, dentre os diversos grupos de excluídos no Brasil, uns têm maior representatividade e outros menos (para não dizer que uns se fodem mais e outros de fodem menos, afinal, ISTO NÃO É UMA COMPETIÇÃO PARA SABER QUEM É MAIS FODIDO PELO SISTEMA!). Então, por que a luta de um não pode levar o outro na algibeira? Não só pode levar, como eu acho muito bom é que leve mesmo. Ninguém está pedindo ao movimento negro que ele pare de pedir melhorias na periferia ou políticas que aumentem de forma efetiva e não autoritária a segurança de jovens negros, para começar a se manifestar pelos sem terra ou pelos índios. Não é isto! O que se pede é: não diminua a luta alheia e não se recuse a entender outras questões como tão legítimas quanto a sua. Se der, dê uma ajudadinha até.

Quantas pessoas passam a se identificar com uma questão de um grupo específico para, a partir daí, refletir criticamente o mundo e as relações em diversos níveis? Será mesmo que ninguém se tornou menos homofóbico, racista ou machista depois das manifestações de junho/13, depois de ir pras ruas contra o aumento da passagem? Eu acredito muito que sim e não ligo que a minha causa leve outras na algibeira.

Ps: não estou demonizando o movimento negro. Infelizmente, esta atitude “a minha causa vale mais que a sua” está presente em praticamente todos os movimentos. Só estou falando deste caso específico por que é o que aconteceu no encontro.

II – As duas causas

Nada do que é humano me é alheio. Terêncio

Logo no início do encontro, o Sakamoto perguntou para o Ferréz como anda a situação de homofobia “para ele” na falta de uma expressão melhor e o Ferréz respondeu que as coisas melhoraram muito nas comunidades, mas que (rindo, claro) o maior xingamento de todos é gayzão. Disse também que gay na comunidade é mais feio, veste roupa da mãe, sai de hobby na rua, alisa o cabelo e fica horroroso. Gay pobre tem mais motivos para ser zuado. E, aparentemente, com razão, já que o próprio Ferréz, um dos maiores divulgadores das causas do movimento negro, acha isto tudo muito engraçado. A imagem que o Ferréz tem e divulga do gay pobre: um cara zuado, com roupa da mãe e faz chapinha.

Enquanto alguém como o Ferréz, “o todo poderoso da periferia”, como ele se entitulou brincando graças à sua voz de "trovão", não reconhecer que na periferia há sim (e talvez haja ainda mais do que em outros espaços) muita homofobia e, pior, de que há o próprio preconceito dos movimentos sociais em abraçarem esta causa, as lutas serão todas sobre si mesmo e não sobre direitos humanos.

É extremamente conhecido o desligamento da periferia e do movimento hiphop às causas LGBT e feministas. Por que? Quando isto vai mudar? Estes indíviduos por serem homossexuais, transexuais, mulheres e pobres, não teriam problemas específicos? Demandas específicas? O que as duas causas ganham com este desligamento? E o que elas perdem?

III – O retorno do todo poderoso


A verdade, quando você solta, pode tremer. Ferréz

Foi discutido também de que forma o formato dos rolêzinhos (o que estes jovens compram, de onde vem, por que comprar, o que querem com isto, o que querem mostrar com isto, etc) é uma resposta (vingança, foi a palavra do PC Siqueira) a anos de violência.

O Ferréz discutiu bastante um mecanismo opressor que negros e pobres sofrem diariamente: a desvalorização do grupo. O Ferréz falou, então, de coisas simbólicas: os moleques querem comprar algo caro para se sentirem na mesma altura das pessoas da classe AB. Pessoas que, sempre foram entendidas e, a partir daí, se entenderam também como a escória da humanidade, precisam ter e mostrar alguns bens que trazem status (exatamente por serem, antes, bens acessíveis apenas à parte valiosa da humanidade) para se sentirem em pé de igualdade com o outro.

Esta é uma resposta simbólica a uma violência que se expressa simbolicamente e também fisicamente. Alguém ter que trabalhar a vida toda como pedreiro ou como motorista e ganhar algo insuficiente para seu sustento, já é por si só uma violência física muito, mas muito terrível.
Mas voltemos à violência simbólica. Ver coisas que você não pode comprar, ver uma vida toda que você nunca poderá ter, é uma violência simbólica, mas suficiente para que muitas milhares de pessoas se sintam a vida toda acuadas. É o suficiente para que estas pessoas pensem a vida toda que ela não têm direitos, que elas não valem tanto quanto os outros. Logo, a violência simbólica é uma violência. É tão ruim quanto as outras? Não sei, eu, que sofro violências simbólicas diárias, acho que sim. Acho também que quando a coisa é repetida, a violência simbólica até ganha status de violência física.

O Ferréz concorda comigo no que diz respeito à violência simbólica que estes jovens sofrem diariamente. No entanto, ele não parece conseguir entender, ou mesmo ver, a violência simbólica que a comunidade GLBT sofre. Discutindo violência simbólica, Ferréz defende que uma coisa é xingar travesti, outra coisa são os preconceitos sofridos por estas pessoas, como, por exemplo, não arrumar empregos.

Esta fala é muito coerente com o posicionamento do Ferréz que diz que na periferia não tem homofobia. Os casos recentes de violência física a gays, travestis e pessoas que desviam da norma por qualquer motivo que seja, acontecem geralmente no centro das cidades. Será? Será que isto não acontece também na periferia? Será que esta fala, vinda de um grande defensor da periferia, não oprime ainda mais os gays da própria comunidade?

A consequência deste posicionamento é simples: não pode matar, mas xingar pode. E não, não pode. É crime, inclusive (ainda que isto não importe). Violência simbólica é um termo muito leve para esconder humilhação pública diária. Milhares de pessoas saem nas ruas todos os dias sabendo que serão xingadas. Trans, travestis, gays. Isto não é menos importante do que os casos de assassinato que estão acontecendo. Isto não é menos importante do que pessoas ficarem desempregadas graças à sua opção de gênero ou sexual. E isto não é menos importante por que as coisas andam juntas. Não dá para resolver a violência real e física sem resolver a simbólica. Ambos são sintomas da mesma doença. Quem xinga um travesti na rua ou chama um amigo de gayzão tem a mesma doença do cara que mata um gay na Paulista. É a mesma coisa, mas expressa em níveis de violência diferentes.

O cara que chama desempregado de vagabundo, não é o cara que está pronto a “fazer justiça com as próprias mãos” e acorrentar um suposto ladrão a um poste? O cara que ofende travestis na rua, também é o cara que está pronto a “fazer justiça com as próprias mãos” e jogar coisas nos travestis e prostitutas do centro de São Paulo ou pior. Talvez nem todo cara que xingue esteja disposto também a matar, talvez ele esteja ingenuamente reproduzindo o que sempre escutou. Mas se estes ingênuos não pararem de reproduzir a violência simbólica, quando os xingamentos e as mortes todas vão acabar? Enquanto não tratarmos a violência “simbólica”, contra absolutamente qualquer grupo minoritário, como um sintoma grave, estamos simplesmente ignorando a violência real que existe e não deixará de existir.

Para pessoas que não são a favor de matar gays na rua, é recomendável que também parem de reproduzir estes mesmos preconceitos verbal e publicamente.

IV – O cômico

Por fim, quando o Sakamoto estava falando dos temas que eles ainda gostariam de tratar, citou a influência negativa da mídia, a questão étnica, negra, indígena, GLBT e foi lembrado, pela Karina Buhr, de enfiar as mulheres no saco a ser discutido. Algumas das mulheres da platéia ficaram felizes e uma disse "pauta de lavar louça".  Então, nosso querido amigo PC Siqueira responde: “ah lavar louça é muito chato”. Eu, então, que já estava muito #xatiaded, o chamei de machista e ele não gostou. Disse (e até tuitou depois) que se achar lavar louça chato é ser machista, ele é.

Bom, estamos numa mesa discutindo quais as questões sócio-políticas devem ser debatidas no próximo programa. A única mulher da mesa lembra pela segunda vez que “as mulheres existem”. Uma menina ingênua irresponsável da platéia liga a pausta feminista à cozinha. E a resposta do cara engraçadinho e mal preparado da roda é: lavar louça é muito chato. Eu me sinto uma idiota explicando porque esta afirmação neste momento é machista: é machista uma afirmação que liga a luta das mulheres à cozinha. Tanto a colocação da menina, que aparentemente só queria fazer mais uma piadinha, quanto a dele, que não podia perder a chance de continuar a zuera. Infelizmente, sendo piada ou não, as colocações resumem a luta das mulheres a lavar a louça! Uma afirmação sem desdobramento, apenas para ser engraçadinha (lembremos dos nossos queridos Gentili e Rafinha Bastos, eles não têm mesmo alguma cois“inha” que lembra o PC Siqueira?) e que em vez de apoiar a fala da Karina (“Sim! A luta das mulheres nos interessa!”) vem para rir dela, deslegitimar (“ah, não vamos falar de mulheres, lavar louça é muito chato”).

Eu vou partir do pressuposto que este moço (e, principalmente a moça da platéia) não quis dizer tudo o que pode ser interpretado desta frase. Digamos, ele é um carinha leviano que faz piada machista em rede nacional (já podemos chamar assim o #projetopiloto?). O mundo está cheio deles, não é? Tão cheio, mas tãããão cheio, que a gente nem liga mais, mas TEMOS que ligar. Especialmente quando é um formador de opinião libertário quem diz isto.

O que esta frase nos diz?
A luta das mulheres é chata.
A luta das mulheres não me interessa.
Eu não gosto de lavar louça, logo, não devo lutar pela causa feminista por que aí terei de lavar louça.

Quando o PC Siqueira fez esta linda afirmação, eu, do segundo andar, gritei “machista!”. A esta altura do campeonato, algumas pessoas já estavam gritando coisas e, seguindo a indicação do Ferréz (“que venha aqui um índio tumultar e nós discutimos a causa dele”), eu achei que era mesmo uma obrigação lembrar o moço e a platéia de que ligar o movimento feminista à cozinha não é bacana responsável. A menina da platéia respondeu algo que não ouvi, mas no vídeo vi que ela ironizou dizendo "feminazi", ou pra mim, ou para ela. Enfim, eu considero a intervenção desta menina só mais uma piadinha de um oprimido que ainda não entendeu que reforçar a piada não ajuda.

No fim do encontro, ele reiterou: “eu acho lavar louça chato, sou machista por isto?” e eu gritei de lá de cima “falar de lavar louça quando estamos discutindo feminismo é machismo”. Reduzir a luta feminista à decisão de quem vai lavar a louça é uma coisa inaceitável. Ele não me respondeu na hora e ainda levou o assunto para o tuíter.

 Bom, o fato de ele ter tuitado algo também me lembra a questão do “vamos falar mal de quem fala mal da gente”. A gente se une contra quem fala mal da gente. E mais, quem fala mal da gente são SEMPRE os haters e apenas isto. E quem falou mal do PC Siqueira? Uma feminista! E por que? Por que ele “apenas” falou que não gosta de lavar louça. Nossa! Que desserviço maior ao feminismo o PC Siqueira poderia ter feito? O inimigo comum agora é a mina que fala mal do pobre moço de nobre coração que não gosta de lavar louça (imagina, então, de recolher lenha!).

Depois de tudo que rolou lá, depois de reduzir as mina do rolezinho a simples objeto dos moleque revolucionário, depois de não dar voz à Karina, depois de reduzir a luta feminista à cozinha, ele tuita que “hoje uma mina me chamou de machista porque eu disse que lavar louça é um saco(?)”. Não, querido, não foi por isto, eu te expliquei na terça mesmo que não foi por isto e posso te explicar que todos têm o direito de achar chato, mas que ninguém tem o direito de reduzir a pauta feminista a isto. Eu gostaria de lembrar, já que estamos falando de louça, que não gostar é ok, mas não fazer e deixar tudo para sempre uma mulher fazer (sua esposa, mãe e até sua empregada!) é machismo. Isto é opressor e largar o serviço que você não quer fazer para uma mulher é sim uma forma de controle e de oprimir, de dizer “você vale menos, então faça o que eu não quero fazer”. Então, caros meninos lindos de esquerda, se você é libertário, lave a sua louça. É bacana responsável.

Depois o PC voltou a postar “se não gostar de lavar louça é ser machista e estar errado, eu nunca quero estar certo”. A tuitada para definir o inimigo comum: as feministas loucas que acham que todos estão errados sempre e por qualquer motivo. Toda a esquerda tem este mesmo inimigo interno, a feminista. Então, o cara vai no tuíter reforçar qual estereótipo: o da feminista louca (louca, neurótica, maluca, barraqueira... todos estes adjetivos lindos que são próprios das feministas e mulheres no geral, né) que rotula as pessoas de machistas por nada. Não! Não poste isto, moço, nem sequer pense isto, por favor! Você não foi rotulado à toa, mas quem sabe isto sirva de ponto de partida de uma reflexão maior e não para que você continue desligitimando o movimento feminista. Talvez a maioria da esquerda seja ainda machista, então não ajude a reforçar estereótipos mentirosos que oprimem ainda mais uma classe que já é oprimida e que luta tanto quanto você por mudanças profundas na sociedade.

O que o PC Siqueira fez, ao vivo e também no tuíter, foi deslegitimar uma causa. The zuera never ends, não é mesmo? Desligitimar uma causa é você rir dela, zuar, tratar como banal. Você faz isto muitas vezes e também muitas outras pessoas fazem, logo esta causa vira motivo de piada, vira estereótipo. Este é um mecanismo de opressão usado desde sempre. Os opressores riem do negro, das mulheres, dos pobres. E o PC Siqueira riu de quem? Da mina que chamou ele de machista. Por que ele ri? Por que rir é a forma que ele escolheu para deslegitimar a minha afirmação. Quando ele faz piada da intervenção da Karina Buhr pedindo uma pauta feminista, ele usa exatamente o mesmo mecanismo opressor: ri, faz piada e ignora o que foi dito. “Vamos discutir machismo? Ah, eu não gosto de lavar louça.”

E se fosse o Ferréz falando que o movimento negro precisa também estar em pauta? A resposta equivalente seria “Acho ir para senzala muito chato” (por que, né, galera, a cozinha é a senzala da mulher e, como mostra o nosso querido PC Siqueira e a querida da platéia é a PRIMEIRA coisa que vem à mente quando o assunto é mulher ou feminismo). Poderia ser ainda “Ah, mas eu não gosto de cabelo pixain”. E aí? E aí que o Ferréz ia achar normal? Ia achar piada? Depois da primeira intervenção da noite trazendo a causa feminista à discussão, a resposta é “eu acho lavar louça muito chato”, é uma piada? Bonita, límpida, à la Chaves, que não significa nada? Que não oprime ninguém? Que não repercute? Que não evidencia o que este querido pensa da causa feminista e quais são as primeiras relações que vem à cabeça dele?

Bom, relembrando: eu gostei de ter participado do encontro. Eu não odeio nem o Ferréz, nem o Pc Siqueira e, muito menos, o Sakamoto, mas (o famoso “mas”) nem sempre os discursos destes caras são coerentes e responsáveis. Nem sempre eles são capazes de aplicar um mesmo raciocínio a diferentes questões. Todos eles (inclusive o Sakamoto, mon amour) se referem às mulheres como objeto e, sendo estes três caras formadores de opinião DE ESQUERDA (esta é a nossa esquerda mais inteligente!), isto é preocupante. Tudo bem, eles são humanos, não sabem ainda de algumas coisas e a gente não sabe de outras. Então, a gente conversa e é só isto que este texto está tentando fazer.

Catarse frustada

Eu gostaria de pensar que o PC Siqueira não é machista, ele está machista. As pessoas são, sim, capazes de refletir e mudar de opinião e atitude. Logo, o moço tem agora a sua chance de repensar o seu próprio discurso, as suas piadinhas, as colocações que ele faz única e exclusivamente para ser engraçado, mas que ofedem um grupo muito grande de pessoas e que ajudam a perpetuar ainda mais as diferenças e privilégios entre grupos. Não seria bacana responsável com todas as pessoas que se identificam com o movimento feminista, ele repensar as suas questões e causas ao invés de deslegitimar a minha fala?

Depois de tudo isto, eu chego a duas conclusões velhas:

1)nossa esquerda é incoerente e irresponsavel, ainda incapaz de ver os mecanismos de poder que atuam em todos os grupos excluídos. Ainda que o mecanismo de opressão seja quase sempre o mesmo, eles não se dão conta dele quando o grupo excluído não é o seu próprio.

(Talvez o PC Siqueira não saiba que ele está reproduzindo a lógica do opressor falando o que ele fala.)

2) Nossa esquerda é fraca e desunida. Isto ficou muito perceptível no encontro. O movimento negro não quer falar do beijo gay nem de índio, ninguém quer falar de machismo, lésbicas, trans e mulheres negras ainda não encontraram o respaldo que procuram no feminismo, a reforma agrária não é mais pauta da esquerda, etc, etc.

Atualmente, até se comenta sobre a desunião da esquerda, mas a desunião que é comentada ou diz respeito ao que aconteceu nas passeatas em junho/13 ou na articulação inexistente dos novos movimentos sociais com os antigos partidos e sindicatos de esquerda. Mas não é disto que eu estou falando. Nestas manifestações, por exemplo, tinha muita, muita gente com muitos objetivos diferentes, inclusive o objetivo de bater em quem parecesse “vermelho”. Estou falando da desarticulação dos movimentos sociais (novos e velhos) entre si, da briga por decidir qual pauta é mais importante (geralmente através do critério irreal de “qual o grupo se fode mais”) e da deslegitimização da luta do outro para que a sua própria luta seja a mais importante.

Fazer com que a população e os movimentos sociais sejam desunidos é também um mecanismo opressor. A desunião da esquerda só faz a direita ter mais poder e nossa luta tem que ser também contra isto. Contra a nossa própria desunião e dificuldade de se colocar no lugar do outro. Então, neste sentido, eu não quero que meu texto sirva simplesmente para descer o cassetete no PC Siqueira por que ele é machista ou no Ferréz por que ele não reconhece outras lutas como tão legítimas quanto a dele. É para fazer refletir. Por que há esta desarticulação? Como funcionam os mecanismo de opressão que estão tão enraizados culturalmente que nem mesmo os líderes de movimentos sociais e formadores de opinião de esquerda são capazes de passar por cima?

#machismotemcura #esquerdaunida