segunda-feira, 13 de setembro de 2010

5 minutos de naturalidade

Com naturalidade, saio do apartamento da minha irmã com uma bengala na mão. Minha mãe mora há quatro quadras dali - Praça da República, São Paulo -  e esqueceu sua bengala. Acredito piamente que quanto mais eu parecer natural carregando uma bengala, menos as pessoas vão reparar. Naturalidade é o segredo. Naturalmente pulo dois sacos de lixo abertos e já remexidos por algum não-cachorro para naturalmente atravessar a rua antes de chegar na faixa e economizar talvez 3 segundos. Passo com minha bengala emprestada por um mendigo muito velho e arqueado segurando, também de forma extremamente natural, um saquinho de café solúvel. Ignoro da forma mais natural que consigo e continuo olhando para frente, quando lembro que tinha uma pacote de torrada na bolsa. Sinto uma óbvia vontade de voltar e me sentir menos mal por ter ignorado o velho oferecendo o tal do pacote de torradas naturais. Naturalmente, não volto e ainda mais naturalmente desejo que no resto da caminho encontre mais um mendigo. Assim, eu poderia naturalmente sacar meu pacote de torradas e me sentir melhor com toda a comida-lixo que tenho em casa e na cintura. Como em todas as noites que ando por ali, desvio naturalmente de travestis se prostituindo, duvido obviamente da sexualidade de algum que tenha a cintura fina e certamente olho para baixo ou para o outro lado da rua se algum me olha nos olhos. Afinal, o natural é ignorarmos uns aos outros e é também natural ignorar os que agem de forma não-natural.
Atravesso a rua de forma muito natural ao perceber um homem grande se aproximando de mim e olho para trás, como quem não quer nada, para descobrir sua direção. Era a oposta da minha. Mais uma vez não chego na faixa e atravesso a super-avenida, pulando mais uns sacos de lixo, ainda amarrados. Chegando na porta do prédio, vejo que três adolescentes negros param na porta de forma muito natural, e eu, espontaneamente, paro também, para procurar minha chave. Só um tantinho antes deles. Eles acham a deles antes e eu, naturalmente, dou uma corridinha até a porta e aproveito para entrar. Naturalmente, eles me abrem a porta e eu agradeço naturalmente e subo, obviamente, de escada. Eles iam de elevador, e minha mãe, naturalmente, mora no primeiro andar.