domingo, 31 de janeiro de 2010

Podando o jardim

Pronto! Decidido: ia abandonar o jardim da frente da casa. Desde que se mudara para aquela casa, tinha se dedicado arduamente a emperequetar o jardim da calçada. Mal tinha móveis, nenhum combinando e as roupas ainda estavam em caixas. Mas sabia: morava no bairro mais chique da cidade, vindo de um lá, lá bem longe onde nem tem terminal, nem ônibus que vai direto para cidade. Já era naturalmente mal vista pelas vizinhas, os filhos não eram loiros como os dos vizinhos, o carro nem era mais fabricado. Não tinha nenhuma roupa cujo nome fosse mais conhecido do que o seu próprio. Sabia não fazer parte daquele bairro e achara que o jardim era o método mais fácil de ser aceita.
"Todo mundo gosta de flores, não gosta?" pensava ingenuamente.
Ela não gostava, preferia cactus. O marido tampouco, jardinagem era perda de tempo. Vamos ver o futebol. Os filhos ainda não tinham idade para gostar ou não, mas aparentavam ter um gosto claro por terra com minhoca. Comiam tudo.
Pois depois de dois anos cultivando o jardim, viu que ainda não tinha cultivado os vizinhos. Uma noite, lá pelas dez, a cachorra latiu e o marido foi ver o que era. Não era nada. Na manhã seguinte, a moça achou seus jasmins e ciclames podados. Todinhos. Ela, que já sabia cultivar margaridas, violetas - Sabia que existem mais de 6 mil tipos de violetas no mundo??? contava, contabilizando o baixo custo das flores que enfeitavam o interior de sua casa - gardênias e girassóis, tinha esperado um ano até ter internet em casa e um computador que não travasse quando mais de 2 páginas estavam abertas para descobrir que o que estava em voga eram as flores exóticas. Deixou de tomar café na cantina da faculdade e logo comprou suas mudas de flores exóticas.
Cultivou como quem escreve um pedido de aceitação. Esperou ansiosamente o carteiro e uma manhã descobriu que não. Não era lá muito bem vinda na sua vizinhança.
Ainda faltavam 22 anos para terminar de pagar a casa, então pensou em se mudar. Chegou a jurar que se mudaria caso um pedido de desculpas não surgisse. Bradou pelos quatro cantos da rua, além do vento, achou um vizinho que entendia que as crianças cortassem as flores, furavam as bolas.
Ele não devia entender muito de flor, ela não tinha uma rosa sequer.
Também não tinha tv de plasma, cabelo liso, unha pintada, nem palavra.
As desculpas não vieram, ela também não se mudou. Queria que os filhos crescessem ali, num bairro melhor, com gente da alta, que tem mais educação. Num lugar onde, quando ela falasse que escolheu a escola dos filhos graças ao seu projeto pedagógico, fosse aprovada.
Decidiu e ficou. Pelos filhos, para que eles quando se mudassem não tivessem as flores cortadas.
Ficou por ali, sem jardim.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Casa

Para quem procurava uma janela, talvez eu tenha tido sorte.
Achei uma casa. Uma casa quase inteira. Sem nada dentro, um pouco torta. Janelas enormes, algumas poucas flores e uma escada que dá a lugar algum. Também tem um sotão onde guardarei uns judeus quando precisarmos. Já tem internet (YES!), tapete e chuveiro. Já manchamos o tapete de cerveja e colocamos o chuveiro no 220 para ficar quentinho no inverno.
Uma casa espaçosa, cheia de espaço para por música, arte, livros, fotos. Espaço para viajar, para ir-se. Tanto, mas tanto espaço, que aqui nunca se ficou muito perto. Imagino. Imagino de longe.
Já passou tanta gente por aqui. Eu já passei por tanta casa antes dessa. A gente sabe tão bem o quanto somos temporários que não vai doer dar tchau. O problema é descobrir como ficar. Eu, minha casa e meu umbigo.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Tchau, gato.

Deitada na minha cama e o gato vem.
Vem, observa, ronda, cheira e olha pela janela.
Ah vem aqui.
Ele não vem.
Essa janela aberta parece tão mais interessante do que esse colo conhecido.
Eu imploro e ele chega, só um pouquinho, hein - ronrona. Cheira meu nariz, reclama do cheiro do cigarro. Anda sobre mim, deita a cara entre meus seios. Ele fica tão bem ali.
Enquanto ganha carinho, o gato namora a janela. O desconhecido, a liberdade do estar longe.
Escuto fogos e entendo. Medo.
Seus olhinhos amarelos parecem tão frágeis, ainda que prontos para descobrir o mundo lá fora. Esse bolinha transparente dá uma vontade de cortar, furar, espetar. Parece só uma proteçãozinha do verdadeiro olho, o que fica embaixo, escondidinho, esperando para descobrir ou ser descoberto.
Eu sempre acho que ele vai se perder, mas o gato volta.
Ele sai com o rabo empinado, eu chamo a toa. Apoia as patas traseiras na minha barriga. Trampolim perfeito para uma vontade de ir embora, de enfiar a cara não sei onde.
Ele pula, eu pulo. Me despeço de longe e pego minha mochila.

Vontade de achar minha janela.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Resoluções de Ano Novo

Este ano decidi começar a fumar. Não vou procurar um novo emprego, eu gosto bastante do meu.
Também não passarei mais tempo com os meus amigos, afinal a gente já vive grudado. Não vou ser mais compreensiva, aberta ou ética.
Vou parar com essa história chata de dieta e ver a minha família tanto quanto vi em 2009.
Ixi... vou viajar menos que ano passado, aprender menos coisas. Vou ler mais livros (mas isso é por conta da tese). Também vou economizar menos dinheiro ou gastar o pouco que tenho. Mas só em coisas idiotas, fúteis e completamente perenes.
Não vou fazer mais sexo, nem doar mais sangue, mas vou continuar gozando e estando no banco de medula.
Não vou procurar um grande amor e vou me lembrar sempre que quem procura, acha.
Minha casa vai continuar bagunçada e o banheiro com escovas de dente que não são de ninguém. O espelho ainda vai ter manchas brancas e a pia vai feder a listerine, como sempre fedeu.
Também vou continuar a falar muito quando não devo e ficar quieta quando querem que eu fale.
Vou rir das pessoas pelas costas e achar que o mundo é burro.
Não vou aprender uma letra de música sequer, mas vou continuar cantando todas do meu jeito. Pra desespero dos que vivem grudados a mim.
Vou continuar fazendo coisas erradas quando ninguém está olhando, mas sem desperdício de energia.
Minhas fotos vão continuar amadoras, meus escritos lugar-comum e minha cara cansada, apesar da base. Talvez mais cansada por conta do cigarro que consumirei.
Não vou trocar de bar, nem de garçom, nem de cor favorita. Não comprei roupa nova e não decidi nenhuma cor de calcinha. Coloquei todo o louro no feijão e o mar está longe. Pular só para São Longuinho.
Vou ir menos ao teatro e em apresentações de dança. Vou ficar menos inteligente e bem mais pedante.
Esse ano, o teclado e minha boca vão continuar sujos e minhas mãos limpas.
Vou continuar não fazendo intrigas e acreditando que as pessoas também não fazem. Ainda que façam.
Vou surfar menos, mas hospedar mais.
Vou cozinhar menos, mas mais para amigos.
Vou ficar bastante sozinha, como ano passado, mas por motivos diferentes.
Vou continuar viciada nas minhas agendas, mas troquei o pintor da capa.
Vou continuar comendo com a mão, lambendo o prato, passando o dedo na caneca e reclamando quando o vinho não for servido em taça.
Usando meia colorida e roupa preta. Tendo uma casa com poucos móveis e muita gente. Principalmente quando eu não tiver uma.
Continuarei a ouvir os mesmos cds insistentemente até enjoar e depois nunca mais.
A reclamar de ter que ir jogar sinuca, mas ir. A reclamar de qualquer coisa. De quando o queijo fica ressecado na geladeira. De quando tenho que ir rápido. De quando o filme bom está só no cinema do shopping. De quando não tem filme bom. De quando tem. De tudo.
Esse ano ganharei, além do vício, uma sobrinha. Mas disso eu não reclamo.

Bon, c'est fini. On est arrivé.