domingo, 29 de maio de 2016

Rosas

Eu não creio nas rosas
pálidas, rubras, suculentas.
As rosas não existem
são meros símbolos materializados
cheirosas
brilhantes
comestíveis.

Eu não creio nas rosas
humildes mentirosas
no silêncio do quarto
na tumba vazia
na lapela do amante
Mentem.
Vagueiam.
Enebriam.

Não, eu não creio nas rosas.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

A "cultura" do estupro

Estou escrevendo este post por que uma menina de 16 anos foi estuprada por mais de 30 homens no Rio de Janeiro e humilhada publicamente em diversas redes sociais e por milhares de pessoas.

Existe agora uma campanha nas redes sociais contra a cultura do estupro. Mas o que é esta cultura do estupro? Como ela aparece na sociedade? Quem é "estuprador em potencial"?

Agora que a menina foi estuprada de uma forma tão brutal que nenhum ser humano consegue ficar alheio, agora que existe um registro disto para provar que ela não está inventado que foi estuprada nem ~exagerando~, é um bom momento para dar nome à "cultura do estupro". Isto se chama MISOGINIA.

Misoginia é o ódio, repulsa e inferiorização da mulher. Misoginia tem a ver com machismo, tem a ver com heteronormatividade, tem a ver com estupro, com mulheres queimadas. Tem a ver com mulheres serem taxadas de loucas e exageradas quando falam a palavra "misoginia".

Acontece que toda a nossa cultura é misógina. Toda ela. E por isto, todos nós somos em alguma medida um pouco misóginos. Todos odiamos um pouquinho as mulheres. Apenas pessoas (homens, mulheres, todxs) que passaram por um longo período de reflexão sobre o assunto conseguem não ser misóginos (se é que, de fato, isto é possível). Isto por que o "normal" é ser misógino. O normal na sociedade em que vivemos é odiar, humilhar e inferiorizar as mulheres.

Daí que estupradores em potencial somos todos. Homens que de fato podem forçar uma mulher a fazer sexo com eles e mulheres que estupram psicologicamente as outras, defendendo e reforçando comportamentos de ódio às mulheres.

Refazendo a fala: considerando estupro toda e qualquer violência, psicológica, verbal, simbólica, às mulheres, somos todos estupradores em potencial. Mas o estupro de verdade, aquele em que tem um pau entrando na boca, na vagina ou na bunda de uma mulher, à força, com ela chorando, gritando e ensanguentada, este estupro só é cometido por homens. Logo, apenas homens são estupradores em potencial neste sentido físico, que é o mais horrível e a materialização dos outros tipos de estupro.

Como muitos dos meus amados amigos estão ficando constrangidos em serem chamados de "estuprador em potencial", eu pensei em uma listinha de coisas que são parte da cultura do estupro. Se você diz, faz, pensa coisas desta listinha, é bom considerar que você ainda está no conjunto de homens que são estupradores em potencial:

- chama as mulheres de "raxa"
- assiste pornografia
- reproduz pornografia quando transa
- acha que tem mulher para casar e mulher para trepar
- deixa a louça da sua casa para alguma mulher lavar
- acha ruim uma personagem de jogo ou filme não ser sexy
- acha feio mulher que fuma e bebe
- acha que tem profissões de mulheres
- não gosta de trabalhar com mulheres
- acha que representatividade não importa
- não acha nada demais em não termos nenhuma ministra atualmente
- acha normal um estuprador ter sido recebido no Ministério da Educação
- já embebedou (ou considerou fazer) uma menina para ela te dar mais facilmente
- já mandou fotos que as mulheres te mandam para seus amigos
- ri das mulheres nos aplicativos com os seus amigos
- acha que mamilo tem que ser cor-de-rosa
- acha que mulher não pode ter pelo
- acha que mulher tem que ser cheirosinha
- não chupa mulher por que não gosta do gosto
- tem a maior pira do mundo em gozar na cara de desconhecidas
- acha que a sua filha tem que te dar netos
- tem ódio das ex do seu atual
- considera toda mulher perto da pessoa com quem vc se relaciona um perigo
- faz fofoca das outras mulheres do seu trabalho
- julga mulheres que transam
- julga mulheres que não transam
- compara suas funcionárias à sua própria esposa
- não dá voz às suas funcionárias
- não sabe o nome da namorada do seu amigo
- numa roda de amigos, não escuta o que as mulheres falam
- força uma mulher a transar sem camisinha
- força uma mulher a fazer qualquer coisa que ela não queira
- acha "sabonete vaginais" uma coisa normal
- diz que mulheres terem pelo "está na moda"
- acha menstruação nojento
- acha que a mulher tem que ser a única responsável pelo uso da pílula ou outros métodos para não engravidar
- vive em uma casa onde o principal papel dos homens nas tarefas é resolver problemas eletrônicos
- é contra amamentação em público
- sente inveja/ciúmes de quem tem uma buceta
- ridiculariza mulheres que lutam pela "mamilo livre"
- acha que mulher que aborta é puta
- acha que a igreja tem algo a dizer sobre úteros
- achou engraçado o adesivo da Dilma de pernas abertas
- acha que mulheres são nervosas e agressivas, enquanto homens são diretos e têm pulso
- acha que mulher tem que ser bonita
- gosta de constranger mulheres com olhares e sorrisos que não são bem vindos
- acha que uma boa transa é aquela em que o homem gozou duas vezes e a mulher nenhuma
- não fecha a perna em bancos públicos quando mulheres estão ao seu lado
- chama feminista de chata
- chama feminista de feminazi
- muda o conteúdo das suas conversas quando mulheres estão presentes
- acha normal propaganda de cerveja com gostosas e propaganda de limpeza com mulheres limpas
- chama as mulheres que você não gosta de "vadia", "puta", "biscate", etc
- não respeita suas chefes, professoras e líderes mulheres
- ridiculariza grupos de mulheres que tentam fazer algo pela sociedade
- assobia na rua
- pensa em assobiar na rua
- chama mulheres de "vesga" por que os peitos dela não são exatamente como vc viu na propaganda
- vê uma mulher na rua e só consegue ter pensamentos sexuais com ela
- fica assustado com mulheres que tomam a iniciativa
- não iria a uma fala sobre feminismo
- iria com seus amigos para ridicularizar a palestrante
-nunca reparou (ou não ligou) para o fato de em eventos científicos, tecnológicos ou de empreendedorismo haja uma maioria esmagadora de homens
- acha que é bom ter uma mulher no grupo por que ele fica mais "humano
- acha que ser gentil é coisa de mulher(zinha)
- ridiculariza pessoas que usam marcações transfeministas ("amigue", "alunx")
- acha nome social uma bobagem
- se chama no feminino quando está fazendo alguma coisa de "vadia" ou "mulher do lar" ("hoje eu estou perigosa!" "eu estou fofinha mesmo!"), mas não se indentifica com o gênero feminino em outros momentos
- ridiculariza gays/bis quanto eles têm vontade de ficar com mulheres
- chama a sua colega de trabalho de "gorda"
- quer comer a mulata globeleza, mas não namoraria mulheres negras
- fetichiza mulheres negras, gordas, grávidas
- acha que mulher dirige pior
- acha que uma mulher chegou em sua posição por que deu para alguém
- paga para seu filho estudar, mas não para sua filha
- se sente constrangido dando uma carona a uma mulher
- todas as suas conversas informais com mulheres acabam com vc a cantando
- torce para a sua ex ser estuprada, violentada ou infeliz


Esta lista não é definitiva. Ela pode ser aumentada. Eu até acho que ela é, infelizmente, infinita.
Mas aqui eu listo alguns comportamentos que pessoas que eu amo (ainda) têm.
E chamo estas pessoas a refletirem (vamos ler e teorizar, é gostoso!) e tentar iniciar relações não misóginas (prática, amigues! prática). Tentarem olhar para uma mulher como um outro ser humano, tão capaz e tão merecedor quanto você mesmo. Eu posso garantir que as suas relações serão mais felizes, tranquilas e satisfatórias assim. Para você mesmo, e não apenas para a mulher que está perto de você. 

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Os grampos

Os grampos dela
agora em suas mãos.
A arquitetura da vida
merece o requinte final.
Destreza do grampo 
que escorre em seus dedos alisando o papel
enobrece também a vida
prendendo meus cabelos no alto da cabeça.
E você e eu e a vida.
Amanhã estes mesmos grampos estarão aí.
E serão dela e meus e seus e dos nossos filhos todos e dos nossos dedos todos e das nossas bocas tolas e dos cabelos, papéis e janelas e ventos.
Os grampos que prendiam os ventos
Os grampos estarão do lado do copo que estará do lado do gato que derrubará o copo.
E daí, então,
os grampos se tornarão
grampos
E não haverá senão uma poça em sua cadeira.
Nesta cadeira.
Bem aqui.
Amanhã.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Neve Paulista

Os faróis
acesos
inquietos

A chuva
cai
inquieta

Os pingos de chuva
maciamente caindo
à luz dos faróis

Despretensiosos
cristais de neve.

terça-feira, 24 de maio de 2016

Sobre buracos e caldas

Finalmente eu pego o pudim com as duas mãos.
Pego o pudim numa bandeja.
Tem o mesmo peso de uma cabeça.
bege branco creme mel
doce frio macio pudim
Só um pudim tem as verdadeiras características de um pudim.
Finalmente eu pego o pudim.
Eu enfio o pudim na tua cara.
Ele se desfaz em blocos molinhos e pragas.
Pragas moles também.
Só o seu nariz não tem pudim.
Ele se safou por que seu pudim tem um buraco.
Um buraco que não é de dedo, nem de minhoca, nem cu.
É só um buraco de pudim.
Eu pego o pudim com as duas mãos e jogo na sua cara.
Pego o pudim da bandeja e jogo na parede.
Maisum Maisum Maisum
A parede escorre.
A parede fofa e molinha e doce e gelada com calda de açúcar.
De Açúcar!
Eu piso no pudim, mas eu estou de botas (sorte!).
Uma escada gigantesca de degraus de pudim.
Eu vou pulando um a um.
pudim pudim pudim pudim.
Os degraus molinhos se esfarelam e deixam de existir
pudim pudim pudim pudim
A escada cresce e os pudins vão ficando maiores e mais fofinhos
pudim pudim pudim pudim
Eu também vou crescendo correndo na escada açucarada
pudim pudim pudim pudim
Minhas pernas de borracha se estiiiiiicam para alcançar o degrau
pudim pudim pudim pudim
Eu corro na espiral infinita de pudins, moles, gelados e doces
pudim pudim pudim pudim
Eu suo calda de 
Pudim!
Eu subo pudim!
Eu caio pudim!
O gigante é pudim.
O pudim gigante é mudo. Ele não fala nada.
Eu escalei de botas o pudim gigante.
Eu enfiei minhas mãos nas paredes frias e açucaradas do pudim.
Eu tenho pudim nos cabelos, no nariz, no meio dos peitos.
Meu pijama branco pinga a pudim.
O cheiro de tudo agora é pudim.
O horizonte é uma grande linha caramelo sem fim.
O chão é aerado e o ar é gás hélio.
Se tivesse pessoas aqui, elas falariam fino e dariam risadas.
Mas só há o universo.
E ele é doce.
Uma constelação de bandejas brilha.
Pudim Podendo.
O pudim superior e infinito.
Então eu pulo.
Eu pulo no buraco negro do pudim.
No centro e infinito, onde não há nada.
Nem paredes moles, nem pijamas brancos, nem calda de caramelo.
Aqui não há cabelos melados, nem mãos sujas.
Eu pulo e caio no escuro.
Aqui não tem cheiro, não tem textura e não tem ar.
Na verdade, eu não grito por que o som não se propaga.
Eu caio no vazio e no silêncio do buraco negro do pudim e apareço bem na pontinha do seu nariz.