segunda-feira, 5 de março de 2012

Mais do mesmo ou da mulher na mídia


Este post é só mais do mesmo sobre a questão da mulher, auto-imagem e sociedade. Resolvi escrever só para desabafar. Inúmeros blogs mais lidos, mais espertos, mais um monte de coisas, já discutiram isto e na realidade nada muda. Quem lê este tipo de posicionamento é já quem não o adota.

Enfim, tudo isto começou por causa desta notícia aqui.

A esposa de um dos atores que fez 007, Kelly Shaye-Smith, é gorda e a mídia espera alguma atitude do cara em relação a isto. Uma atitude que, claro, não pode ser dizer que gosta da esposa. A notícia é velha, mas graças a este texto do Alex de Castro é que eu fiquei sabendo. O texto do Alex já vêm com toda uma discussão politicamente correta do fato, então eu não vou comentar muito, só que é legal ler um texto politicamente correto que não é chato nem pedante.

Me chocou como a mídia cobrou abertamente um posicionamento do ator sobre a sua vida pessoal e de sua esposa, sobre o que ele acha do corpo dela. A priori, me chocou muito. Depois fui percebendo que é isto que a mídia faz em todos os sentidos, com todas as pessoas. Afinal, a mídia enfiar na minha própria cabeça que tenho que ser magra é também exigir que eu tenha um posicionamento sobre minha própria vida e meu corpo que vá de encontro com o mostrado na tv. Enfim... o papel da mídia é vender e o que vende hoje é ser magra. Então vendamos!

O que continuou me chocando depois de perceber que a mídia é, de fato, muito muito má, é que me lembrei de muitos momentos nos quais o posicionamento de cobrança da mídia foi tomado por pessoas próximas a mim. Boa parte da minha família, majoritariamente acima do peso e com muitos obesos mórbidos, insiste que ser gordo não é só feio, mas também sinal de preguiça, doença, baixa auto-estima, blá blá blá. Muitos amigos de namorados meus já criticaram as escolhas dos moços dizendo que eles podiam arrumar algo melhor (melhor = mais magro, há!). Muitas amigas minhas (muito mais magras que eu)  falam delas mesmas como enormes, feias e outros nomes mais cabeludos. Isto agora, que eu sou adulta e já tenho o poder de escolher com quem conviver, por que seria muito caricatural pensar num passado no qual, para mim, era obrigatória a convivência numa escola de classe média alta numa cidade minúscula controlada por apenas uma família.

No entanto, este post não contém nem um pouco de autopiedade. Desta fase, já passei. Mas é um post um pouco indignado com as pessoas não conseguirem enxergar além da mídia, além do exposto. Quantas pessoas saem, transam, etc com alguém que é gordo, mas não têm coragem de assumir um relacionamento para não encarar meia dúzia de olhares tortos e preconceituosos na rua? Quantas destas pessoas teriam dificuldade em dizer "acho um gordo sexy/bonito/atraente"? e quantos começam a ter algo com alguém gordo já se armando com frases do tipo "ah mas vocês não sabem como ele é legal, bom de cama, inteligente"?  Claro! Uma pessoa gorda tem que ser boa, inteligente, culta e engraçada. É a compensação da gordura.

Enfim... atualmente, a mídia B (e até mesmo parte da A) tem dado um enfoque especial para esta questão do gordo. Principalmente da mulher gorda. São inúmeros blogs e páginas em redes sociais apresentando gordinhas sexys. Acessados majoritariamente por gordinhas (sexys ou não) e por seus namorados. Duas coisas me chamam a atenção nessa nova leva de informação: (i) estas pessoas (as gordas e seus namorados) precisam deste tipo de condescendência da mídia b ("beleza, se a Adele é sexy, minha namorada também é!"), (ii) o tipo de mulher que aparece nestas mídias não são em nada parecidas com as reais, nem mesmo com as que digerem sua gordura com este tipo de informação.


"Mesmo acima do peso, Musa Plus Size garante que tem samba no pé"


Para mim, o grande exemplo da mídia A que reforça a imagem da mulher real é a Dove. Suas propagandas reúnem gordas, negras, mulheres já passadas dos 40. Todas lindas! Todas as mulheres da propaganda da dove são bem pouco reais para mim. São as mulheres que você não vê no ônibus e que quando vê, chamam sua atenção de tão impecáveis. Se são gordas, são brancas de olhos azuis e pele perfeita. Se são negras, tem o nariz afunilado e um cabelo muito exótico e cheiroso (sim, o cabelo da propaganda parece muito cheiroso). Se já passaram dos 40, estão lá, com o maior corpinho de barbie escondendo os pés de galinha. E daí? E daí que a gorda que usa dove, usa por que quer ter a pele macia e o olho azul, a negra por que quer afunilar o nariz e a quaretona para voltar a ter 17. A dove, com esta conversinha mole de mulher real, só ajuda a retificar a ideia de que sim!, existe a imagem perfeita. A dove só faz um adendo dizendo que as não-modelos podem também atingir a imagem perfeita.  Atingir, claro, através da compra dos produtos dove. Pensando agora nas gordas: quantas na propaganda da dove têm estrias? Flacidez? Todas são redondinhas, macias, durinhas... Assim como a mulher gorda ideal tem que ser! Sem esquecer do sorriso simpático e aconchegante que toda gorda é obrigada a ter.


Dove ou a nova versão de "onde está wally?" Cadê a mulher real?


Em suma, a mulher real da dove não é nada real. Assim como a mulher real da mídia b também não é. Quantas imagens de gordinhas numa lingerie super sexy retocadíssimas no photoshop?




Aí é que eu penso: a mídia B faz o que? Mostra a mulher real para que a mulher real se sinta bem? Ou mostra a mulher semi-real retocadíssima no photoshop? E para que? Para as mulheres reais ficarem felizes? Elas se vêem nestas mulheres semi-reais photoshopadas? Não sei das outras, mas eu não me sinto nem um pouco representada vendo uma mulher que usa 44, cheirosa, durinha, sem um risquinho na pele, usando uma lingerie que não se compra em lojas "normais"(!).

Enfim, neste caso, a mídia B só reproduz a mídia A. Em nenhum dos casos, a mulher de verdade está sendo representada e em ambos os casos há uma imagem de mulher perfeita a se alcançar. Uma imagem que, independentemente do tipo de mídia e do tipo de mulher, só vai ser alcançada via photoshop:



Tudo isto, claro, tem consequências diárias para grande maioria das pessoas que recebem este tipo de informação. Lendo o post do Escreva Lola sobre o caso do 007 e sua esposa, me deparei com uma destas consequências muito tristes. A autora citou este comentário: “Keely está horrível. Ela é tão grande quanto eu e eu sei que estou horrível”. P0rr@! Quem disse isto não consegue se sentir bem nem quando descobre que a mulher do 007 é igual a ela! Vai se sentir bem quando? Alguém que pensa realmente assim pode sair de um manequim 58 para um 42 e vai continuar se sentindo mal, muito mal. Por que ainda não é um 38, por que as mulheres da mídia nunca foram gordas e  parecem não ter estria, celulite(haha!), flacidez, sobra de pele, sobra de muitas lembranças complicadas, nem de sobra de baixa auto-estima, nem sobra de nada. O que sobra e o que está em falta é a sociedade (reflexo ou espelho da mídia?) que dita. Para alguém que viveu a sobra (de gordura, de altura, de tamanho de pé, nariz, etc, etc,) ou a falta (de peito, de bunda, de dinheiro, de emprego, etc, etc ), isto não muda. Sempre vai faltar ou sobrar no mundo real.

Mas, eventualmente, estas consequências diárias são tão gritantes que escancaram toda a podridão que há na simples escolha da mídia em instaurar o PP o tamanho básico de todas as mulheres. Há inúmeros sites com dicas e apoio para meninas que decidiram ser anoréxicas:






Outros: dicas para anoréxicas, wiki, fotos, tumblr.


Antes e depois                                

















Tentei arduamente terminar este post de uma maneira não tão triste ou textualmente decente, mas não rolou nem um parágrafo para amenizar a dor das magrelas e entender que elas, tanto quanto as gordas, são só resultado da mesmíssima imposição midiática.

Deixo aqui dois links:

esta tumblr: fuck yeah chubby girls, na qual muitas meninas que se acham gordas postam fotos delas mesmas. É muito triste que um site destes tenha que existir, que estas pessoas tenham que se exibir desta forma para se sentirem minimamente aceitas por elas mesmas. No entanto, minha relação com a tumblr é bastante positiva. De todos os movimentos que conheço em relação a esta questão, este é o que parece mais alcançar um "ame você mesma", sem passar antes por um desfile de imagens photoshopadas que não representam ninguém, mas que te ensinam como você deve ser.

e esta: meu mundo anamia, um blog de uma menina de quinze(!!!!!) que depois de passar um tempo neste mundo anoréxico, resolveu escrever. "Tudo era tão apavorante. Eu odiava ser GORDA e tambem não queria acabar com a minha vida. Eu tive que escolher entre continuar a ser uma ANA/MIA ou continuar a viver.. O estereotipo magra simplismente,falou mais alto" (sic)

10 comentários:

  1. Eu queria comentar, mas fico pensando que eu sou só mais uma, que pensa igual, que sofre por não ser o padrão de beleza imposto (mesmo que se questione por que ser o padrão de beleza, mesmo que questione absolutamente tudo o que me é imposto) e, definitivamente, não tenho nada pra dizer.

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  2. Lembrei de outros 2 sítios que se propõem reunir fotos de mulheres reais. O http://www.007b.com/breast_gallery.php mostra fotos de seios normais não sexualizados e o http://theshapeofamother.com/ de corpos de mulheres após gravidez. E tem também o http://hairypitsclub.tumblr.com/ que eu acho muito legal, pois funciona essencialmente como quebra de esteriótipo, pouco como "consolo" para uma baixa auto-estima. De maneira geral, acho bem interessante esse tipo de iniciativa, por mostrar corpos que são sempre escondidos, e por isso mais facilmente caracterizados como anormais. Mas é importantíssimo levar isso para fora desses lugares, porque, como vc disse, normalmente as pessoas que acessam essas páginas já tem uma construção prévia. Talvez pareça um pouco difícil militar nessa questão se você não é uma produtora de mídia ou dona de uma marca de perfumes, mas só o fato de usar uma miniblusa no calor sendo manequim 40+ ou de andar de saia curta não tendo as pernas depiladas já traz pro mundo imagens femininas que ele não está acostumado. Lógico, isso pressupõe auto-estima, vontade e coragem.

    Pra terminar, não sei se já viu, mas saiu hoje mesmo um post da lola sobre o assunto: http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2012/03/criterios-para-ser-uma-gordinha-feliz.html

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  3. Um lado azedo meu tem quase certeza de que homem algum irá comentar nesse teu post. Enfim, ando amarga e a gente já conversou muito sobre isso. Só quis marcar a posição (de amargor, de raiva, do direito de não ser a gordinha simpática e inteligente) e, quem sabe, provocar os olhos masculinos anônimos que lêem, até concordam mas não "saem do armário" quando o assunto é discutir os cruéis padrões de beleza femininos.

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  4. Pessoas insatisfeitas consomem mais. Não que exista um complô para tornar as pessoas infelizes, mas esta situação é ótima pra vender coisaradas.

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    1. eu acredito piamente no complô para tornar as pessoas infelizes.

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    2. Eu tbm. Digo que tem funcionado.

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  5. Legal o texto! Tem também esse site http://www.thenuproject.com/ do fotógrafo Matt Blum. O objetivo dele é retratar a beleza sem usar "modelos", "maquiagem" ou "glamour" (palavras do fotógrafo).

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  6. http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultimas-noticias/bbc/2012/03/07/fotos-propoem-debate-sobre-impacto-de-cirurgias-no-conceito-de-beleza.jhtm

    Diz a matéria: "Quando refazemos a nós mesmos, estamos revelando nosso verdadeiro caráter ou nos despindo de nossa identidade? Talvez estejamos criando uma nova forma de beleza."

    A identidade parece ser uma coisa que se constrói, que vem de várias outras escolhas primeiras e das suas relações. Ou seja, uma consequência. Buscar uma identidade assim, como um remendo, sem alterar os pensares e
    agires sobre/no mundo não parece levar muito longe de onde se já estava.

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  7. Nossa eu nem sei o que comentar aqui. Como a Marina, eu sei que é uma padrão de beleza totalmente imposto, mas eu ainda sofro por não me encaixar nisso.
    O pior é perceber que é uma beleza tão inatingível, mas vendida como se fosse a coisa mais fácil do mundo de se alcançar, e que só fracassados nao são assim.
    Enfim, de poucos em poucos minha mente se adapta ao fato de que eu nunca serei daquele jeito, e isso me afeta um pouco menos. Mas, pelo menos pra mim, não é fácil, por mais escancarado que essa verdade esteja.

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