Da borda da floresta, celebro Litha. Da borda da festa, celebro São João. Da borda do verão, celebro o inverno.
Anuncia-se o verão amazônico. No meu corpo, expectativas e catarro. No meu copo, gengibre, cúrcuma, mururé. Infusão que aprendi ouvindo as plantas. E se há cura, ela vem das raízes. As raízes sempre sabem o caminho.
Aliás, foi escutando as raízes das palavras que aprendi isso também.
A palavra verão tem uma história que brota tortinha, como tudo que é vivo. A raiz latina vēr enunciava lá pros romanos primavera, a prima favorita de qualquer brasileiro. Um raizeiro português uma vez me contou que essa palavra é irmã da palavra grega éar, da palavra persa bahâr e da palavra russa vesná. Ele cultivava palavras e disse que todas significam Primavera. Num certo tempo, os povos da Península Ibérica chamavam de verão esse primeiro calor que agora chamamos primavera. E com o tempo, o que era começo virou auge. A primavera ficou sendo o primeiro verão, e o verão virou esse esplendor de energia e vibração solar.
Há palavras que mudam de estação. E há estações que mudam dentro da gente. Tenho meu segundo verão esse ano. Esse ano encantado, em que completo 40 voltas ao Sol. Neste ano, o verão trará também meu aniversário. Sempre achei mais ajustado comemorar meu aniversário no meio do verão, mas não encaixei bem no hemisfério norte. Engraçado, aqui, no coração da Amazônia, o verão sopra seus ventos a partir de junho. Somos o Norte do Sul. Somos um ponto invisível aos Nortes. Um ponto cardeal que não tem nome, mas existe, contrariando os estóicos. E só pra contrariar, mudei de estação sem mudar de hemisfério.
Hoje é São João, e como em tantas partes do mundo, celebramos o Solstício. Mistura de festa pagã e fé cristã, de tempos antigos e do agora, quadrilha e roda gigante, raízes e sonhos. Aqui, milho e mandioca. Muita mandioca. A sanfona distante acende em mim uma alegria antiga.
Com a garganta fechada e peito cheio, honro meu inverno no dia de São João. Ainda sinto meu corpo e meus ciclos desconectados do lugar. Na floresta, tudo balança. Me seguro no tempo, mas existe tempo sem espaço? Em Manaus, o verão chega aos poucos, como um velho amigo que demorou a escrever, mas nunca esqueceu o caminho da mata. É o início do céu azul profundo e do dourado do sol invadir as narinas. O dourado das fogueiras juninas subindo pelo corpo. O que está acima é como o que está abaixo e a alquimia da transição está em toda parte.
Nesse São João, nesse início de verão, Titania e Oberon aprontam mais uma vez. O descuído dos deuses derramado nos rios amazônicos. Dentro, a mesma magia desgovernada mistura as estações. "Sonho de uma Noite de Verão" foi a primeira peça que dirigi, aos noves anos. Sem saber direito o que era verão, direção, São João, mas sabendo já o que era sonho. Hoje, sabida(?), sou campo dividido, onde, juntas, bromélias brotam da neve e as raízes das samaúmas adormecem. Em meio a Titanias e Titônicas, também eu me tornei palco de um desacerto cósmico, onde os deuses das estações esqueceram o acordo do tempo e do espaço. Onde deusas gregas carregam coroas de flores mexicanas à diva maior, a Arte. São João, abençoai a Palavra!
Nesse solstício de Verão, meu peito carregado (ou vazio?) ganhou uma cobertinha e sopa de raízes e letrinhas, minhas antigas amigas. Respiro, tomo um momento. Uma música antiga, umas palavras engessadas brotam do gelo e avisam que tem uma Amazônia ali. Agora, aqui.
Faço em mim dessa Litha, desse São João, o resgate de tantas raízes e sonhos, palavras não tão diferentes assim. A honraria ao inverno, curvando-se frente ao verão equato-imperial que chega sem pedir licença. Eu lembro que o início não é auge. Eu lembro que o verão já foi primavera. Mais uma vez, a roda gira e gira, até se acertar. Se há uma noite mágica na floresta, com fadas, amantes perdidos e poções feitas de flores, ela é amazônica. Não poderia haver melhor história para se contar por aqui, onde a mata é viva e tudo tem alma, até o calor.
A Midsummer Night’s Dream, São João, Litha. Livy-Bonita-Camita. Uma mesma noite.
No mais longo dia do ano, desejo que todos celebrem seus sonhos e suas raízes. Essas luzes que crescem por dentro e por fora. Tudo brota, tudo cresce, tudo brilha. Em dia sem Santo, num dia abafado, numa quarta-feira qualquer. Sem pressa, sem calendário.
Que o verão te encontre — onde quer que você esteja.
E que a tua palavra floresça.
Viva São João!
Viva o Verão!
Viva a Arte!
Viva o Viva!
Manaus, 22 de junho de 2025