domingo, 22 de junho de 2025

Litha Amazônica

"The seasons alter: hoary-headed frosts
Fall in the fresh lap of the crimson rose,
And on old Hiems' thin and icy crown
An odorous chaplet of sweet summer buds
Is, as in mockery, set."


Da borda da floresta, celebro Litha. Da borda da festa, celebro São João. Da borda do verão, celebro o inverno.

Anuncia-se o verão amazônico. No meu corpo, expectativas e catarro. No meu copo, gengibre, cúrcuma, mururé. Infusão que aprendi ouvindo as plantas. E se há cura, ela vem das raízes. As raízes sempre sabem o caminho.

Aliás, foi escutando as raízes das palavras que aprendi isso também.

A palavra verão tem uma história que brota tortinha, como tudo que é vivo. A raiz latina vēr enunciava lá pros romanos primavera, a prima favorita de qualquer brasileiro. Um raizeiro português uma vez me contou que essa palavra é irmã da palavra grega éar, da palavra persa bahâr e da palavra russa vesná. Ele cultivava palavras e disse que todas significam Primavera. Num certo tempo, os povos da Península Ibérica chamavam de verão esse primeiro calor que agora chamamos primavera. E com o tempo, o que era começo virou auge. A primavera ficou sendo o primeiro verão, e o verão virou esse esplendor de energia e vibração solar.

Há palavras que mudam de estação. E há estações que mudam dentro da gente. Tenho meu segundo verão esse ano. Esse ano encantado, em que completo 40 voltas ao Sol. Neste ano, o verão trará também meu aniversário. Sempre achei mais ajustado comemorar meu aniversário no meio do verão, mas não encaixei bem no hemisfério norte. Engraçado, aqui, no coração da Amazônia, o verão sopra seus ventos a partir de junho. Somos o Norte do Sul. Somos um ponto invisível aos Nortes. Um ponto cardeal que não tem nome, mas existe, contrariando os estóicos. E só pra contrariar, mudei de estação sem mudar de hemisfério.

Hoje é São João, e como em tantas partes do mundo, celebramos o Solstício. Mistura de festa pagã e fé cristã, de tempos antigos e do agora, quadrilha e roda gigante, raízes e sonhos. Aqui, milho e mandioca. Muita mandioca. A sanfona distante acende em mim uma alegria antiga.

Com a garganta fechada e peito cheio, honro meu inverno no dia de São João. Ainda sinto meu corpo e meus ciclos desconectados do lugar. Na floresta, tudo balança. Me seguro no tempo, mas existe tempo sem espaço? Em Manaus, o verão chega aos poucos, como um velho amigo que demorou a escrever, mas nunca esqueceu o caminho da mata. É o início do céu azul profundo e do dourado do sol invadir as narinas. O dourado das fogueiras juninas subindo pelo corpo. O que está acima é como o que está abaixo e a alquimia da transição está em toda parte.

Nesse São João, nesse início de verão, Titania e Oberon aprontam mais uma vez. O descuído dos deuses derramado nos rios amazônicos. Dentro, a mesma magia desgovernada mistura as estações. "Sonho de uma Noite de Verão" foi a primeira peça que dirigi, aos noves anos. Sem saber direito o que era verão, direção, São João, mas sabendo já o que era sonho. Hoje, sabida(?), sou campo dividido, onde, juntas, bromélias brotam da neve e as raízes das samaúmas adormecem. Em meio a Titanias e Titônicas, também eu me tornei palco de um desacerto cósmico, onde os deuses das estações esqueceram o acordo do tempo e do espaço. Onde deusas gregas carregam coroas de flores mexicanas à diva maior, a Arte. São João, abençoai a Palavra!

Nesse solstício de Verão, meu peito carregado (ou vazio?) ganhou uma cobertinha e sopa de raízes e letrinhas, minhas antigas amigas. Respiro, tomo um momento. Uma música antiga, umas palavras engessadas brotam do gelo e avisam que tem uma Amazônia ali. Agora, aqui.

Faço em mim dessa Litha, desse São João, o resgate de tantas raízes e sonhos, palavras não tão diferentes assim. A honraria ao inverno, curvando-se frente ao verão equato-imperial que chega sem pedir licença. Eu lembro que o início não é auge. Eu lembro que o verão já foi primavera. Mais uma vez, a roda gira e gira, até se acertar. Se há uma noite mágica na floresta, com fadas, amantes perdidos e poções feitas de flores, ela é amazônica. Não poderia haver melhor história para se contar por aqui, onde a mata é viva e tudo tem alma, até o calor.

A Midsummer Night’s Dream, São João, Litha. Livy-Bonita-Camita. Uma mesma noite.

No mais longo dia do ano, desejo que todos celebrem seus sonhos e suas raízes. Essas luzes que crescem por dentro e por fora. Tudo brota, tudo cresce, tudo brilha.  Em dia sem Santo, num dia abafado, numa quarta-feira qualquer. Sem pressa, sem calendário.

Que o verão te encontre — onde quer que você esteja.
E que a tua palavra floresça.

Viva São João!

Viva o Verão!

Viva a Arte!

Viva o Viva!

Manaus, 22 de junho de 2025