trinta e duas e trinta
à amiga, Verônica Kell
hoje às trinta e duas e trinta
eu vou estar ao pé do rio
e vou sentir o sol no rosto e sorrir
e verdadeiramente impressionar-me-ei ao ver o branco das gaivotas.
verdadeiramente.
hoje às trinta e duas e trinta
eu vou olhar para as coisas simples e pequenas
para uma rapariga a andar de patins
para as flores, os casais, o trabalhador
E meu coração estará completamente leve.
hoje às trinta e duas e trinta
lembrar-me-ei do universo
do grande, do complexo, do difícil
e hei de respirar e acreditar que sou
que somos capazes
que a lição é o caminho
e que as teias de crochet e algoritmos têm razão de existir.
hoje às trinta e duas e trinta
eu vou rir do menino a correr atrás do pombo
E a mãe dele vai rir
E a irmã dele vai rir
E a vó dele vai rir
E todas riremos juntas
alto, sem compromisso
estamos sempre a rir juntas
às trinta e duas e trinta.
hoje às trinta e duas e trinta
eu vou estar na cama do hospital
e vou vomitar verde e tanto e azedo e amargo
vou vomitar tudo
uma dor que não é minha
mas é.
hoje às trinta e duas e trinta
a menina de Gaza comerá iogurte
e bala, e bolacha, e bombom.
Ela estará a brigar com o irmão
querem os dois o cobertor vermelho,
não o azul.
hoje às trinta e duas e trinta
o sol estará a pino
e gentil
a lua estará cheia e brilhante
as músicas farão sentido
e a arte e a vida estarão a imitar a natureza
e ninguém há de imitar a ninguém
a não ser a si próprio.