Oi, pessoal!
Pessoal?! Pessoal?!
Será que ainda tem alguém aí?
Bom, não importa, mas seria legal se tivesse.
Hoje eu vou falar sobre meus 4 meses em Manaus. Mesversário de Manaus recente. Foi uma data muito louca, que ia passar em branco, mas foi incrível. Isso me fez ter muita vontade de vir aqui no blog contar. Eu ia escrever um texto todo poético e hermético, mas eu fiquei com vontade mesmo foi de escrever no bloooog!
Daí, eu fui ler o blog antigo, né. Óbvio. De onde vem essa vontade? Lá (aqui, no passado, exatamente o contrário de "là" no francês, enfim...) eu ia contando as coisas que eu ia conhecendo pros amigos... meus amigos liam o blog, não tinha rede social nem mensageria. Então, eu escrevia meio que pra contar pra todo mundo o que eu contaria no bar (ou no café, mas eu tinha 20 anos e não ia a cafés). Eu contava de tantas descobertas que eu tinha, de uma forma tão autêntica, genuína, sem vergonha. Eu falava de preconceitos, de coisas que estavam em formação. Hoje eu leio o blog e relembro de tanta coisa, é mesmo uma descrição da minha formação. E muito despretenciosa e gostosa. Eu não sei se hoje consigo escrever assim, mas eu vou tentar. Pelo menos, vai servir pra Livyta de 50 anos ler e ficar orgulhosa e entender como a gente chegou lá (nossa, "lá" serve pra tudo, hein?).
Conversando com o Lisney, sua filha Mariah e o gatinho (bem bem bebê) Príncipe, percebi que hoje (era dia 12 quando eu escrevi), faço 4 meses de Manaus. Lisney é indígena e vende paçoca com a filha na frente do Teatro Amazonas. Reclama que a conserva já tá 12 reais. Fala que ele almoça todo dia salsicha, miojo e frango empanado. Que um dia frango empanado era comida de rico. Hoje ele só come isso com farinha e o rico come suco verde. O frango empanado, a salsicha, o miojo, isso é o almoço de todo dia, por que até o produto amazônico tá caro. O açaí já tá vinte reais, a mandioca aumentou (a farinha, porque quase não se come a mandioca cozida, a farinha é mais fácil e rápida, não precisa de panela e gás). O Lisney não sabe o que é brócolis. A Mariah pela descrição que eu fiz diz que já viu, sabe o que é, mas nunca comeu. Ele me fala pra ficar na praça até onze horas e depois ir embora, fica feio. Ele me pergunta se é minha primeira vez em Manaus. Eu digo que moro aqui. Faz muito tempo?
Faz 3 meses. Não, na verdade hoje faz quatro.
"Parabéns dona Lívia. Lívia, né? Receba os cumprimentos e uma boa noite do Lisney e da Mariah". E a Mariah completa. "E do Príncipe".
É tanta agilidade de pensamento. É tanta reflexão. É tanta sabedoria simples. Mas numa simplicidade que não tem lugar de ação. Chega a ser triste. E eu, finalmente, entendo os antropólogos (e talvez os sociólogos, isso ainda estou descobrindo) quanto a vontade de pegar essa sabedoria e transformar em políticas públicas.
Sim, eu estou há quatro meses morando em Manaus. Sim, eu me perdi no tempo e eu recebi os parabéns desses indígenas, desconhecidos até então (e agora, e, possivelmente, sempre) e de ninguém mais. Sim, eu percebo a solidão. Sim, eu reclamo muito do preço da comida. Do preço do brocólis. Eu não reclamo do preço do açai, nem da conserva (ou lata, que é a lata de fiambre, o pior tipo de carne que o sudeste fabrica... enlata "carne em conserva" e aqui no norte é a comida mais típica dos riberinhos e dos indígenas também. Chamam de "carne", "lata", "conserva", já ouvi de todo jeito. Uma vez, em uma viagem high-level, turismo de rico, o barqueiro parou o barco numa vendinha no meio do rio para comprar uma "conserva" pra vó. Parou o barco no casebre de madeira e palha e saiu com a lata de fiabre. Enquanto isso, eu e 2 turistas alemães e 2 suiços nos divertimos jogando bilhar e tomando kaiser na vendinha no meio do rio. Foi tão gostoso. Depois a gente passou na casa da vó do barqueiro, levou a lata. Ela pegou do barco na mão mesmo, a gente nem precisou descer porque a época era de cheia e o barco chegava até a janela dela. Bom, os nomes, o que as pessoas conhecem, o que o sudeste (hegemônico) exporta, tudo isso importa. Eu finalmente entendi o meu problema com o brócolis e o meu lugar de elite ao reclamar do acesso ao brócolis. Eu também entendi a dificuldade do acesso a alimento. À comida que sustenta, que já é cara, mas, especialmente, à comida saudável. "O rico toma suco verde". O Amazonas é o estado com maior índice de obesidade e pressão alta do país (o estado no meio da floresta, que não consgue sobreviver da floresta e que consome o lixo caríssimo da "civilização"... esse tem sido um ponto pra mim). Aqui, o suco verde custa a partir de 20 reais. Todo tipo de alimentação é caro. Seja no mercado, seja no café, (o que eu achei de barato são coisas muito, mas muito fritas, até o sushi frito é mais barato do que o normal, porquê??? tem um processo a mais!!!). O restaurante universitário ainda é barato (1,60) e é realmente bom. Mas eu, como pós-doc, pago a taxa de convidado (16,80). Eu ainda só como no r.u. quando vou à universidade e, entendendo que devem haver poucos pós-docs, ninguém ainda falou que essa era uma necessidade, brigou por isso, etc e tal, é aceitável que o status de pós-doc não te dê acesso ao restaurante, mas se fosse 1,60, eu sim, iria pra universidade para bandejar, porque lá tem salada crua e salada cozinha. Uma coisa curiosa aqui é essa coisa da salada cozida. Tem em toda parte. Você pega couve, repolho, acelga, cenoura, esses vegetais que são salada, mas dá pra cozinhar (tipo, alface não entra), cozinha tudo, fica muito gostoso, e se chama "salada cozida". Eu adorei. Inclusive, recentemente, eu descobri que pro meu dosha no ayurveda, essa seria a melhor alimentação. Uma coisa à parte que eu gostaria de discutir e sei que não vou é a relação amazônia-ayurveda que eu vejo em toda parte, especialmente na culinária. Mas tenho explorado bastante. Assim, como, recentemente, comecei a explorar as danças circulares (Wosien) com as dançcas indígenas. Bem, minha exploração é incipiente, rasa e sem metodologia, mas é uma forma de falar que essas coisas me interessam na minha vida. E me movem e acabam influenciando onde eu vou, o que eu faço, os meus movimentos. Enfin...
Bom, tudo isso para dizer coisas simples.
4 meses de Manaus.
Nesse dia, que foi dia 12, eu, na verdade, assinei um contrato de uma morada por um ano. Eu assinei esse contrato no dia 12, mesmo pegando as chaves depois, porque estava ansiosa. Mas eu não tinha percebido que era dia 12. Depois eu cheguei em casa, quebrada, esfarraparada. Eu queria ir pra academia, porque meu plano ia expirar no dia seguinte. Mas eu também queria ir pra ver uma dança no Teatro. A dança chama "Ta, sobre ser grande". "Ta" é uma palavra Tikuna. Eu entendi que significa "território", mas talvez seja outra coisa. Daí eu queria tanta coisa... Manaus é tão complicado quanto a isso, por que tem tanta coisa legal e as coisas ficam em até 20 minutos de você e custam barato (as coisas culturais, né... ingressos culturais são baratos... bem baratos, e mesmo assim, os espaços geralmente não estão cheios). Bom, enfim, eu queria ir na academia, trabalhar, ir nessa peça, descansar, etc e tal. Eu queria tudo. Eu trabalhei tanto, que eu me atrasei pro pilates. Daí eu já decidi que a academia (o ferro em si) valia menos. E, finalmente, decidi por ir na peça. Fazer as coisas tranquilamente. Poder tomar um banho, decidir a roupa que eu vou e desfrutar o "ir ao teatro". Eu ando fazendo as coisas muito a toque de caixa. Tipo trabalha até as 18h, 18h30 já é outra pessoa, com outra roupa, em outro lugar. Meu sistema nervoso não comporta mais isso (infelizmente, por que eu adorava esse ritmo e esse balanço das muitas personalidades e fazia bem na década passada).
Bom, eu fui na peça. Dirigi até lá, já sei um lugar de parar o carro. Já sei achar o meu lugar no teatro (com 4 meses hein!!! ;) ;) foda demaaais!!!). O espetáculo era uma dança contemporânea. O figurino era fantástico, e o mesmo figurino servia pra homem e mulher. Era uma coisa meio rasgado, mato, paleta-terra-verde-chão, mas era muito bem feito e bem pensado. Os corpos do corpo de baile eram incríveis. Tinha indígena musculoso, gordinha, branca gordinha, branca careca, pretos grandes e potentes. Realmente, foi o corpo de baile mais diverso que eu já vi. Durante a apresentação, eu me imaginei dançando ali (calma, gente, eu sei que eu não sei dançar, mas é que deu pra imaginar o meu corpo ali... e eu aprendendo a dançcar e chegando em algum lugar na dança... enfim, foi muito gostosa essa experiência. é bem diferente de quando você vai ver um ballet de SP ou do RJ, que você fica embasbacado com o que é mostrado, mas aquilo que é mostrado não fala com seu corpo, meio que cria um barreira dizendo que você não pode estar ali a não ser como expectator... eu tenho explorado mais meu corpo e querendo cada vez mais estar desse lado da produção... estão essa sensação foi muito boa).
Quando acabou o teatro, eu vi um restaurante que eu comi uma boa farofa de uarini em 2023, quando vim a primeira vez. Eu resolvi então jantar lá. Pedi um escondidinho de tambaqui. Tive a conversa com o Lisney. Descobri que fazia 4 meses que eu estava aqui. Que eu tinha uma comemoração em curso. Descobri que queria escrever no blog. E contar pra tantos amigos que eu amo e estão distantes todas essas descobertas. Mas eu não vou contar via rede social e ligar pra cada um não vai ser pra contar isso. Vai ser pra falar da vida.
Enfim, esse é um breve post em comemoração aos meus quatro meses de Manaus. Uma comemoração inesperada, seguindo as vontades do corpo, as intuições que resultou num "Ta, é sobre ser grande, então...".
Que venha mais o que tiver de vir!
Tá, é sobre ser grande, então...
Ahô