quarta-feira, 24 de julho de 2013

Choramingando no lugar comum

O mundo contemporâneo é um negócio muito engraçado. Ele é ao contrário. Faz o que é fácil parecer difícil, e o difícil, fácil.
É tão difícil atravessar a cidade e tão fácil ir para outro continente.
Tão difícil ver os amigos e tão fácil ter centenas deles acompanhando sua vida. Trocar uma lâmpada muito alta e muito específica é tão complicado, mas ter a casa iluminada à noite e o banho quente é tão fácil.
 É tão fácil comprar tudo de qualquer lugar do mundo e tão difícil agradecer a velha chata da venda do lado.
É difícil encontrar tempo, mas o difícil mesmo é fazer algo dele. É difícil ver a lua, mas ver as estrelas é impossível. É difícil, muito difícil, andar descalço, rir do nada, ver uma paisagem bonita, relaxar, amar despreocupadamente. É tão difícil estar despreocupado, à toa, parado.
Estar correndo, com raiva, é muito mais fácil. Ter absolutamente qualquer coisa é muito fácil. É fácil se sentir único e muito esperto. É fácil comer uma comida de qualquer lugar do mundo. É tão fácil conquistar e tão mais fácil enjoar. É fácil lavar uma montanha de roupa, ligar e a comida chegar. É bem fácil mesmo.
 É fácil saber o que acontece na Cochinchina. Difícil é saber o que acontece na gente, com o conhaque tão fácil e a lua tão difícil.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Sobre o bolsa da família

Comentário de Álvaro Fujihara Kasuaki do Crônicas Cainitas.



Nunca encontrei ninguém que negasse os benefícios do programa. Segundo o que achei aqui, ele reduziu em 89% a pobreza extrema (dados do portal último segundo, de 18/03/2013), além de reduzir em 17% a mortalidade infantil (segundo estudo do Instituo de Saúde Coletiva da UFBA). Ninguém diria que essas são consequências indesejadas, então geralmente as pessoas contrárias ao bolsa família preferem dizer que o programa torna as pessoas preguiçosas e só serve pra criar um bando de vagabundos acomodados que não quer saber de trabalhar.

Eu sinceramente me surpreendo em ter que argumentar contra a afirmação de que uma pessoa que ganha um benefício de (no máximo) R$306,00 (valor para famílias com 5 filhos de até 15 anos e 2 de até 17 anos – 306 reais pra sustentar uma família de 8 pessoas) vai se acomodar e não querer mais nada com nada. É claro que se perguntarmos pra qualquer conhecido nosso ninguém faria isso. Então os que recebem o bolsa família devem ser outra classe de pessoas, talvez um grupo de alienígenas ou alguma sub-evolução da raça humana, que tem anseios absolutamente diferentes da “população normal”, que deseja de modo geral ascender economicamente e melhorar de vida. Mas, como isso tudo é especulação de um lado e de outro, vale mais uma vez trazer alguns dados.

Em primeiro lugar, 70% das pessoas adultas que recebem o benefício trabalham (revista fórum, 22/05/2013). 12% do total de pessoas atendidas pelo programa abandonaram voluntariamente o benefício, totalizando 1,69 milhões de pessoas, ao passo que 483 mil tiverem benefício suspenso por conta da fiscalização. Em segundo lugar, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, os alunos que recebem o bolsa família tem uma evasão menor do que a média nacional (7,2% contra 10,8% da média nacional), além de terem também um índice de aprovação maior (79,7% dos beneficiários do programa contra 75,2% da média nacional). Pra quem gosta de dizer que o governo tem que dar educação, ensinar a pescar e não dar o peixe, acho que esses dados podem ser esclarecedores. Isso e, é claro, perceber que se o sujeito não tem como se manter, as chances de ele conseguir continuar na escola diminuem drasticamente. Eu acho particularmente difícil convencer alguém que vive com renda per capita de (no máximo) R$ 140,00 da importância da educação e de como ela pode, dentro de quem sabe uns 12 anos de educação básica, mudar sua vida.

Isso, é claro, sem considerar os efeitos colaterais positivos do programa, como o aumento da autonomia das mulheres. Segundo a antropóloga Walquiria D. Leão Rêgo, ao tornar as mulheres as titulares do benefício, o bolsa família ajuda mulheres que sofrem violência doméstica a mudarem de situação, na medida em que elas passam a ter a capacidade de se manterem mesmo sem o salário do marido. A antropóloga também afirma que o bolsa família mina as bases do coronelismo, já que diminui a dependência dos beneficiários do poder local (Folha de São Paulo, 11/06/2013).

Pra quem depois de tudo isso ainda acha que a vida é uma maravilha com o bolsa família e que todo mundo vai querer viver só do benefício, fica o convite pra tentar. O programa beneficia a todos que tenham a renda máxima requerida. Se vc não tem filhos, sempre dá pra arranjar alguns pra aumentar a sua participação nessa mamata.